É que, quando chove, a palavra embaça e o moço da praça parecia querer conversar. Mirava com fastio os passantes, que mundo chato -- devia pensar. Não, não vou começar um monólogo existencialista, a essa hora só quero desafogar qualquer coisa aqui dentro da pele. ...da pele pra dentro, sabe? -- Ei cara, me alcança aquela estrela? Quero fazer um poema. Meio sem beira nem eira ou vice-versa, só quis fugir do lugar comum. Tá frio, acho que vou pra casa. Sabe que, depois que meu peixe morreu não converso com ninguem. Já faz uns dois anos. (risos) Era o Affonsine, sei... nome de mulher ou de peixa, mas eu não sabia o sexo cara, sabe como é né, como as baratas. Ou joaninhas. Quando moleque sempre pensei que joaninha era tudo fêmea. Sacanagem com os joãozinhos. Ninguem fala joãozinho. Puta merda. Sabe que lembrei de um conto de um cara muito chato, sobre um piolho hermafrodita, Prrfff! Devia tá bêbado o cara, ou muito na lombra. Ontem tava um puta dum calor, e hoje isso. Deve ta fazendo uns quinze graus, doze, olha ali. É, frio mesmo. Bom mesmo é ta com uma nega do lado, quentinha. Bem que a Rita dizia que longe mesmo é que a gente ama. E ama mesmo, dava tudo cara, tudinho pra ela voltar. Porra, terceira vez que esse carro passa aqui, deve ser algum... Que foi cara? Ta com essa cara... Quer um cigarro? tem razão, morrer em prestação num tá com nada. A gente sempre quer esticar a vidinha, ninguem sabe o que vem depois que morre. Eu acho que tem pê-ene, porra nenhuma! (risos) Sei lá, talvez num é assunto pra pensar, bicho, a gente fica doido. Eu não faço a menor idéia do que pode ter, nunca morri! Não que eu me lembre. Tá bem cara? paradão aí na tua, com esses óculos... nossa, tá frio cara, vou nessa. E foi embora sem poema nem estrela. E o moço na praça, fixo por qualquer solda, na sua pose clássica continuou ali. Posando e ouvindo quem passa. Na praça de copacabana. Era um poeta, e ele nem sabia.

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